'Sei que esta grande tempestade
por causa de mim' vem sobre as paredes
da casa, afastados já os móveis.
As paredes, ao se afastarem os móveis,
erguem-se, despidas, coradas até à raiz dos rodapés,
como paredes sem móveis: demasiado brancas,
branco casca de ovo, branco gelo, branco mate,
consoante a cor com que as paredes se pintaram
antes de se lhes colarem os móveis.
'Foram três dias e três noites nas entranhas'
das paredes na esperança de expiar a culpa,
o pecado: branco sujo até se afastarem os móveis.
Dentro da cabeça das paredes, sobretudo
da cabeça do coração, até se afastarem os móveis,
cobria-se de cal essa certa esperança
de esconder defeitos. Ao se afastarem os móveis,
as paredes deixaram cair pregos, abriram rachas,
mostraram, pudicas, as manchas. Espreitava-se
e via-se-lhes a olho nu o espaço íntimo,
'o sangue inocente' posto sobre nós
no que parecia ser a boca dentada de um peixe.
Paredes, estais hoje mais velhas do que nós.
O branco, demasiado aberto, não vos assenta bem.
Tentamos vestir-vos de quadros e desenhos;
já nada vos serve: o homem das obras ordenou
a demolição. 'Porque Tu, Senhor, fizeste como te agradou':
três dias e três noites em oração contra Ti.
'A grande tempestade por causa de mim'
expôs como ferida em carne viva o esqueleto
da casa. Ossos feitos de material de construção.