Acordavam como ditirambos
e encostavam a barriga às janelas
alucinadas e sabiam
que podiam fazer voar
as palavras certas
àquela hora antes da sessão
de choro compulsivo
Ao pequeno almoço
subiam para as mesas
com os sapatos cheios de verniz
e saltavam como peixes
a lançar cordas ao pescoço
de quem estava próximo
e escreviam com a urgência
de quem inspira uma piedade
próxima da rejeição
Havia alguns que começavam por explicar
os seus poemas e faziam teses
que se confundiam com literatura
embrulhada em papel de jornal antigo
e que era várias vezes superior
ao lugar ausente da poesia
E aqueles mais reservados
que acordavam pela tarde
e começavam a descrever
posições extremas enquanto
mostravam muito a palma das mãos
seguidas e diziam
– Vês o futuro, o futuro
está nas minhas mãos
Queriam tomar sempre a palavra
e depois pediam desculpa pelo incómodo
mas continuavam com a palavra pelas salas
e corredores adentro até asfixiarem
todos os lugares de desespero
E as camareiras cheias de cuidados
intensivos cuidavam da roupa
e da limpeza interior dos poetas
alisavam os vincos e as imperfeições
nos versos mais expostos
resolviam qualquer obstrução formal
e ditavam-lhes palavras limpas ao ouvido
Depuravam os lugares inúteis
abriam as portas dos quartos
sopravam as velas se eles adormeciam
com a cabeça encostada a uma ilustração
ou a outras ideias incandescentes
e tiravam notas do que eles diziam
no meio de algum sono agitado
ainda com os sapatos calçados
Os poetas bipolares reuniam-se
à noite o mais individualmente possível
e transpiravam com o próprio tédio
nas varandas estreitas dos seus quartos
enquanto outros desciam às caves
dos condomínios para espreitar
os músculos basculantes
que suportavam os edifícios culturais
e encontravam inspirações genuínas
cheias de um fulgor que os abraçava
por dentro como uma marca de águia
subterrânea prestes a erguer as asas
E depois continuavam a escavar
de olhos semicerrados e luzes apagadas
vinculados a uma ideia de fundo garantido
até chegarem a uma poesia sem linguagem
nem comunicação com a palavra